Ser nerd se tornou algo vergonhoso

Hoje estava ouvindo o Anticast sobre o machismo no mundo nerd, com a participação da maravilhosa Sybylla. E recomendo bastante, para quem tem interesse no assunto, mas admito que não tenho mais paciência pra isso faz alguns anos. Só que nem sempre foi assim.

Apesar de gostar bastante de jogar (tanto console quanto presenciais), ter alguns brinquedos questionáveis para uma adulta, ler (livros, HQs, tudo), ter sido uma criança/jovem muito tímida e estranha, com poucos amigos, eu não sou nerd.

Ser nerd se tornou uma marca de pessoas inseguras, agressivas e sem nenhuma curiosidade, que se refugiam do mundo e se unem contra os progressos que tirem delas o status que elas sentem que merecem.

Quer dizer, elas não. Porque, em sua maioria, estamos falando de caras.

E eu consegui essa clareza de pensamento lendo esse texto da Leigh Alexander pro GamaSutra (e, admito, foi um dos momentos mais maravilhosos da minha vida ter conseguido a permissão deles para traduzirmos e postarmos). O texto é sobre gamers, mas se relaciona perfeitamente com toda a ~~~~cultura nerd~~~~ brasileira.

Na virada do milênio essas eram as únicas grandes marcas culturais dos games: Tenha dinheiro. Tenha mulheres. Arranje uma arma e depois uma arma maior. Seja um renegado. Celebre isso. Derrote qualquer um que te ameaçar. Você não precisa de referências culturais. Você não precisa de nada que não seja jogar.

Alguns anos atrás eu era o tipo de tonta que celebrava o Dia do Orgulho Nerd, mas alguns anos atrás ser nerd ainda estava mais relacionado com conhecimento que com status. Ser nerd era sinônimo de ser uma pessoa curiosa. O tipo de gente que, quando gosta muito de algo, se aprofunda, lê tudo que existe e adquire aquele tipo de conhecimento que faz a coisa ser chata e desinteressante pro mundo.

E de ser assim eu ainda tenho muito orgulho, sim. Mas isso nunca seria uma coisa tão popular ou rentável quanto ser nerd se tornou. Por isso digo que ser nerd, agora, é um conceito vazio, uma caricatura de si mesmo.

Ser nerd, agora, é sinônimo de bazinga e misoginia.

E isso eu não sou, não quero ser e não quero nem saber que existe.

Os grandes nerds orgulhosos de agora são burros, alienados e cheios de ódio. E são de um jeito que causa vergonha. Eles perseguem mulheres como meninos de 6 anos perseguem meninas, mas com todo o senso de auto valor de homens adultos classe média que se definem por uma cultura que trataram de esvaziar.

O sentido de precisar humilhar mulheres para se sentir bem consigo mesmo? Quem se preocupa com o sentido, “nós estamos aqui pra trollar, não pra pensar”.

Às vezes eu acho que a maior punição desses caras seria se olhar no espelho e ver o estereotipo constrangedor no qual se transformaram.

Homens infantilizados que usam seus consumos como definidores hierárquicos. Ou seja, eles não se relacionam com cultura por curiosidade ou porque gostam. Eles lêem, jogam, fazem, pra poder se sentir melhor que os outros. Pra tentar emular algum poder que não está ali porque, como disse Vinícius de Moraes: “homem que diz sou, não é, porque quem é mesmo, não diz”.

Tudo é feito pela estética desse cara, desse único cara, que todos tentam ser. O protagonista dos filmes do Kevin Smith ainda mais simplificado, o nerd rejeitado, machista e tacanho, mas que só quer amar (e humilhar quem não se submeter a ele).

Durante muito tempo, começando na minha adolescência (quando a maioria dos idiotas que ofendem mulheres sequer tinha aprendido a usar o peniquinho) fui a única mulher em vários meios nerds, quase todos eles machistas. E parecia que valia a pena lutar para permanecer, ganhar espaço nesses lugares. Eu sei que eu mudei, grazadeus, e muito. Não sinto mais necessidade de mendigar aceitação. Mas eu também sei que esses frequentadores mudaram.

O auto valor que eles vêem em si não vem de conhecimento, vem de consumo. Os excluídos, que forjaram toda a base dessa “””cultura””” estética em ser excluídos, agora só se sentem realmente bem quando excluem.

(Publicado originalmente no falecido site Lugar de Mulher em 03/09/2015, o original está disponível no Internet Archive)

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